O consumo de gorduras total na dieta recomendado pode variar de 20 a 30% das calorias totais, em geral adicionadas depois que as calorias totais de proteínas e carboidratos já foram ajustadas. As gorduras são praticamente universalmente subdividida em quatro categorias principais: gordura trans, gordura monoinsaturada, gordura saturada, gordura poliinsaturada. O valor total de calorias vinda de gorduras pode ser variável em dietas que visam perda de peso, como na cetogênica/metabólica, onde grande parte das calorias advém do consumo de gorduras (~40-60%) [1].
Enquanto parece claro que o consumo de gorduras trans não oferece nenhum benefício a saúde, e está relacionado a uma séries de problemas metabólicos (afeta negativamente os níveis de lipídeos circulantes, desencadeia a inflamação sistêmica, induz disfunção endotelial, e, de acordo com alguns estudos, aumenta a adiposidade visceral, o peso corporal e resistência à insulina), o mesmo não se pode dizer das gorduras saturadas [2]. Outra unanimidade parece estar em relação a neutralidade dos efeitos das gorduras monoinsaturadas, e dos benefícios do consumo dos ácidos graxos ômega 3 (ácido alfa-linolênico), principalmente EPA e DHA (diminuição da inflamação, melhora nos níveis de lipídios no sangue, incluindo a diminuição dos níveis de triglicérides, diminuição do risco de doença cardíaca, diminuição da depressão e até mesmo a perda de gordura). Já os ácidos graxos ômega 6 (ácido linoleico), quando convertido em ácido araquidônico, são conhecidos como precursores de eicosanoides inflamatórios (prostaglandinas da série 2, tromboxano A, leucotrienos da série 4), envolvidos na inflamação, infecção, lesão tecidual, modulação do sistema imune e agregação plaquetária [3]. Não há, entretanto, na literatura evidências claras dos efeitos prejudiciais dos ácidos graxos ômega 6, pelo contrário, alguns trabalhos mostram efeitos benéficos desses [4].
Vou me ater aqui a falar do uso de gorduras saturadas e poliinsaturadas, já que o consumo de gorduras trans está descartado, e as gorduras monoinsaturadas (azeite de oliva, canola, abacate, amendoim, nozes) podem ser usadas livremente sem nenhum prejuízo a saúde, e mesmo oferecendo um possível benefício (redução do colesterol ruim, LDL), desde que seja respeitado o equilíbrio energético.
A questão do impacto das gorduras saturadas na saúde é controverso, mas grande parte da confusão está em ignorar o contexto dietético, a genética e a rotina do indivíduo. Elas realmente podem ser um problema, assim como o consumo de carboidratos depende da tolerância individual, tipo de carboidrato (simples/ complexo), sensibilidade/resistência à insulina [5]. As recomendações do consumo de gorduras saturadas pelas organizações de saúde de ~10% do consumo energético total se baseiam em observações gerais, ignorando hábitos alimentares individuais, genética, estilo de vida. O erro das pessoas está em generalizar o que funciona bem para elas. Para alguém que treina, tem percentual de gordura relativamente baixo, faz dieta controlando carboidratos, é sensível à insulina, não há grande problema em uma ingestão maior desse tipo de gordura (como na dieta cetogênica), o que não vale para um indivíduo sedentário, obeso e/ou mais resistente à insulina. Então é perfeitamente compreensível que algumas pessoas comam bacon e ovos no café da manhã e não tenham nenhum problema relacionado à saúde cardiovascular, dislipidemia, hipertensão arterial, diabetes.
Sobre as gorduras poliinsaturadas, os ácidos graxos ômega 3 (n-3) e ômega 6 (n-6) apresentam funções metabólicas e funcionais distintas e às vezes opostas. O desequilíbrio na relação n-6/n-3 como observado em dietas ocidentais, pode estar relacionado a um aumento de citocinas pró-inflamatórias (interleucina-1, interleucina-6, TNF-alfa) e de eicosanoides em doenças autoimunes e doenças inflamatórias. No paleolítico a razão entre n-6/n-3 era da ordem de 1:1 a 5:1, sendo que hoje essa razão é de cerca de 20:1 a 50:1 [4]. No entanto, os estudos em humanos não mostram nenhuma associação entre aumento da ingestão de ácido linoleico e aumento da inflamação. Alguns estudos demonstram na verdade, que em modelos de inflamação aguda, que tanto dietas hiperlipídicas ricas em ácidos graxos ômega 3, como ricas em ômega 6 promoveram redução da resposta inflamatória. Se não existe consenso sobre os benefícios e malefícios do aumento da ingestão de ômega 6 [6], o mesmo não se pode dizer do ômega 3. Diminuição da inflamação, melhora nos níveis de lipídios no sangue (incluindo a diminuição dos níveis de triglicérides), diminuição do risco de doença cardíaca, diminuição da depressão e até mesmo a perda de gordura foram todos encontrados com a suplementação de n-3 (rico em EPA e DHA) [2, 7].
As recomendações básicas para uma dieta com quantidade moderada de gordura (~25% das calorias totais) seria garantir as recomendações mínimas de ômega 3 (~500mg vindo de EPA e DHA, óleo de peixe) [2], evitar o consumo de gorduras trans, e completar as demais fontes de gorduras com gorduras saturadas e monoinsaturadas. O consumo de gorduras saturadas deve ser de acordo com o contexto da dieta e do perfil do indivíduo, sendo que em dietas restritas em carboidratos seu consumo pode ser mais elevado tranquilamente [1], principalmente em atletas e indivíduos de porte atlético com baixo percentual de gordura, com uma dieta rica em vegetais e frutas. As gorduras monoinsaturadas podem ser usadas para completar as calorias advindas de gorduras sempre que necessário.
abraços, dudu haluch
[1] Dieta Metabólica, Dr. Mauro Di Pasquale.
A ketogenic diet favorably affects serum biomarkers for cardiovascular disease in normal-weight men.
Sharman MJ, Kraemer WJ, Love DM, Avery NG, Gómez AL, Scheett TP, Volek JS.
[2] A Primer on Dietary Fats – Part 2, Lyle McDonald.
[3] Lipídios e exercício, aspectos fisiológicos e do treinamento; W. P. Lima (org.).
[4] Fisiologia da Nutrição na Saúde e na Doença.
[5] Saturated fat and cardiovascular disease controversy- Wikipedia
Saturated fat, carbohydrate, and cardiovascular disease; Patty W Siri-Tarino, Qi Sun, Frank B Hu, and Ronald M Krauss
Saturated Fatty Acids and Risk of Coronary Heart Disease: Modulation by Replacement Nutrients
Patty W. Siri-Tarino, Qi Sun, Frank B. Hu, and Ronald M. Krausscorresponding
[6] Polyunsaturated fatty acids and cardiovascular health.
Kris-Etherton PM, Hecker KD, Binkoski AE.
[7] Dietary n-3 polyunsaturated fatty acids and coronary heart disease-related mortality: a possible mechanism of action.
Demaison L, Moreau D.