A ciência e a especulação!
Os fundamentos do aeróbio em jejum se baseiam basicamente na ideia de que o jejum aumenta a depleção dos estoques de glicogênio, e a atividade física em jejum consequentemente priorizaria a queima de gordura (oxidação), pela baixa disponibilidade de carboidratos. O aumento da lipólise no tecido adiposo subcutâneo com a transição do repouso para o exercício moderado é estimulado pela epinefrina (adrenalina) através da ativação dos receptores beta adrenérgicos e pela redução da insulina plasmática [1]. Quando as reservas de carboidrato estão baixas, como no jejum, o corpo se volta mais para a oxidação das gorduras para obter energia. Esse processo fica facilitado pela diminuição da concentração de insulina e pelo aumento das concentrações de adrenalina, noradrenalina, cortisol e hormônio do crescimento [2].
Não tão simples assim. Estudos mostram que se alimentar antes do exercício eleva o metabolismo. Aparentemente, o exercício amplia o efeito térmico do alimento (ETA), ou também chamado de termogênese induzida pela dieta (TID), que nada mais é que a energia necessária para digerir, absorver e assimilar os nutrientes alimentares (por exemplo, uma refeição de proteína pura induz um efeito térmico de quase 25% do valor calórico total da refeição). Desse modo parece mais sensato encorajar o exercício moderado após o estado alimentado, e não ao jejum [3]
Maior oxidação de lipídios (queima de gordura) ocorre com intensidades de exercício por volta de 65% da VO2máx (consumo máximo de oxigênio) ou 75% da FCmáx (FCmáx = 220 – idade, frequência cardíaca máxima). Indivíduos treinados: 59% a 64% do VO2máx. Indivíduos sedentários: 47% a 52% do VO2máx [4]. Essa é a chamada “zona de queima de gorduras”, onde ocorre máxima oxidação de gorduras durante o exercício. Em intensidades mais elevadas , por exemplo 85% VO2máx, podemos observar uma diminuição significativa na utilização da gordura, e um grande aumento da utilização de glicogênio e glicose, durante o exercício.
Quanto maior a intensidade do exercício, maior a EPOC (consumo excessivo de oxigênio após o exercício), que pode contribuir para um maior gasto energético pós-exercício. Porém, o EPOC só apresenta um significado fisiológico quando o exercício é realizado de forma regular (pelo menos 3x por semana) [5]. Embora o custo energético do EPOC em uma sessão de treinamento se mostre pequeno, seu efeito cumulativo poderá ter um impacto positivo no quadro da obesidade. O mesmo raciocínio é válido para a TMR (taxa metabólica de repouso). O exercício de alta intensidade estimula fatores de transcrição (PGC-1alfa) que atuam na biogênese mitocondrial (aumento no tamanho e no número de mitocôndrias). Com o aumento da quantidade de mitocôndrias, a oxidação de ácidos graxos (queima de gordura) é mais estimulada, o que otimizaria o emagrecimento [1]. Exercícios de alta intensidade também provocam um aumento exponencial na concentração plasmática de GH, enquanto exercícios de longa duração, mas baixa intensidade provocam um pequeno aumento. O treinamento intervalado de alta intensidade (TIAI, HIIT) induz alterações no metabolismo muscular semelhantes às induzidas pelo treinamento de endurance (sensibilidade à insulina, aumento do conteúdo de GLUT-4, capacidade cardiorrespiratória) ; dessa forma, mostra-se tempo-eficiente, pois em um menor tempo de atividade realizada a altíssimas intensidades, resultados semelhantes podem ser alcançados [1, 6].
Voltando ao aeróbio em jejum (AEJ), ele geralmente é feito em intensidades da “zona de queima de gorduras” (~65% VO2máx). Os estudos não parecem suportar sua maior eficácia em relação ao exercício realizado em estado alimentado.
“A equipe de Coyle mostrou repetidamente que a ingestão de carboidratos durante a moderada intensidade (65-75% VO2 max) não reduz a oxidação de gordura durante o primeiro 120 min de exercício em homens treinados [7]. Curiosamente, a margem de intensidade proximal ao local onde a oxidação de gordura é mais alto não foi afetada pela ingestão de carboidratos, e assim permaneceu durante as primeiras 2 horas de exercício.
Equipe Horowitz ‘examinou o efeito durante o treinamento de uma solução de carboidratos com alto índice glicêmico em homens moderadamente treinados submetidos a um ou outro exercício de baixa intensidade (25% VO2 max) ou de intensidade moderada-alta (68% VO2 max) [8]. Resultados semelhantes ao trabalho de Coyle foram vistos. Os resultados indicaram que, apesar da supressão da lipólise após a ingestão de carboidratos durante o exercício, a taxa lipolítica permaneceu elevada e, portanto, não limitou a oxidação de gordura [9].”
O jejum também não se mostrou superior mesmo após seis semanas de Treinamento Intervalado de Alta Intensidade (HIIT) em mulheres obesas ou com sobrepeso. Ou seja, não é o estado de jejum que favorece a oxidação de Gorduras, como muitos acreditam, mas a intensidade do exercício (Gillen et al 2013) [10].
Um dos estudos mais usados pelos pesquisadores para contestar a eficácia do aeróbio em jejum, é o estudo de Paoli et al. (2011) [10, 11]. “Paoli et al. (2011), verificaram a diferença no metabolismo das gorduras durante um exercício aeróbio moderado (36min/65%FC) na esteira pela manhã em duas situações: 1) alimentado e 2) Jejum (Jejum de verdade, inanição total). Doze horas após o exercício, o grupo que se alimentou continuava com o VO2máx elevado, enquanto o quociente respiratório reduziu significativamente, indicando maior utilização de gorduras na situação alimentado, mas não quando o exercícios era realizado em jejum. E 24hs após o exercício, a diferença ainda era significativa, com maior gasto energético e de gordura para quem se alimentou antes do exercício. Assim, os autores concluíram que o exercício aeróbio moderado, para perda de peso, realizado em JEJUM, não aumenta a oxidação de Gorduras e uma refeição leve é aconselhável [10].”
Embora esse estudo, como os anteriores, indiquem que o exercício em jejum não seja superior ao exercício em estado alimentado, é importante fazer algumas observações. Os estudos sempre consideram apenas uma atividade física realizada durante o dia, enquanto o mais comum é que os adeptos do AEJ realizem o exercício aeróbico de de manhã, e o treino resistido horas mais tarde. No estudo de Paoli o jejum foi de 12 horas, enquanto o mais comum é um jejum noturno de ~8 horas, e isso evidentemente pode fazer muita diferença no metabolismo pós exercício, já que 12 horas de jejum aumentam a importância da gliconeogênese hepática (conversão de aminoácidos, glicerol e lactato em glicose). Não acredito que essas diferenças possam provocar grandes mudanças nos resultados dos estudos, e sim, que em geral, a escolha do exercício, em jejum ou alimentado, não terá grande relevância nos seus resultados. Importante lembrar também que muitos adeptos do AEJ utilizam hormônios anabólicos (esteroides androgênicos, GH), e isso poderia induzir algumas alterações no metabolismo durante e após o exercício. Embora eu acredite que o exercício aeróbio em jejum, seguido do treinamento resistido realizado horas mais tarde, possa ser mais eficaz que exercício aeróbio em estado alimentado, nas mesmas condições, só posso dizer que isso não passa de especulação da minha parte, e da parte da comunidade do fitness/bodybuilding, e que os estudos não podem nos dar uma resposta clara à esse respeito, apenas indícios de que provavelmente não exista diferença, ou ela seja pouco significativa.
Faça aquilo que faz se sentir melhor, não se iluda com marketing, e não pense que pode extrapolar seus resultados para todas as outras pessoas. Se é válido para você, continue. Não existe conflito entre a teoria e prática, e sim contextos diferenciados que ainda precisam ser explorados pela ciência para esclarecer a questão. Dizer que AEJ não funciona é uma grande bobagem (questão de eficiência), dizer que é melhor forma de se fazer cardio, é especulação.
abraços, Dudu Haluch
[1] Exercício, emagrecimento e intensidade do treinamento, Aspectos fisiológicos e metodológicos; Carnevali Jr., Lima, Zanuto & Lorenzeti, 2ª edição.
[2] Fisiologia do Esporte e do Exercício, 5ª edição.
[3] Fisiologia do Exercício, McArdle, 7ª edição.
[4] Determination of the exercise intensity that elicits maximal fat oxidation.
Achten J1, Gleeson M, Jeukendrup AE; Med Sci Sports Exerc. 2002 Jan;34(1):92-7.
Optimizing fat oxidation through exercise and diet.
Achten J1, Jeukendrup AE. Nutrition. 2004 Jul-Aug;20(7-8):716-27.
[5] Comparison of energy expenditure elevations after submaximal and supramaximal running.
Laforgia J1, Withers RT, Shipp NJ, Gore CJ. J Appl Physiol (1985). 1997 Feb;82(2):661-6.
[6] Physiological adaptations to low-volume, high-intensity interval training in health and disease
[7] Coyle, et al. Muscle glycogen utilization during prolonged strenuous exercise when fed carbohydrate. J. Appl. Physiol. 1986;6:165-172.
Coyle, et al.. Carbohydrates during prolonged strenuous exercise can delay fatigue. J. Appl. Physiol. 59: 429-433, 1983.
[8] Myths Under The Microscope Part 2: False Hopes for Fasted Cardio
By Alan Aragon © 2006
[9] Substrate metabolism when subjects are fed carbohydrate during exercise. Horowitz JF et al.. Am J Physiol. 1999 May;276(5 Pt 1):E828-35.
[10] Aerobio em jejum, Eduardo Porto, Gease, 2014.
Gillen JB1, Percival ME, Ludzki A, Tarnopolsky MA, Gibala MJ (2013). Interval training in the fed or fasted state improves body composition and muscle oxidative capacity in overweight women. Obesity (Silver Spring). 21(11):2249-55
[11] Paoli A, Marcolin G, Zonin F, Neri M, Sivieri A, Pacelli QF (2011). Exercising fasting or fed to enhance fat loss? Influence of food intake on respiratory ratio and excess postexercise oxygen consumption after a bout of endurance training. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 21(1):48-54.