Recentemente a frutose tem sido acusada de trazer grandes malefícios à saúde, relacionados ao aumento da obesidade, triglicerídeos e outras características relacionadas á síndrome metabólica (resistência à insulina). Ceca de 10% das calorias (~55g dia) contidas em dietas ocidentais provêm da frutose, e sua principal fonte é a sacarose (açúcar), um dissacarídeo formado pelos monossacarídeos glicose e frutose. A frutose também é encontrada em grandes quantidades no mel e no xarope de milho e em menor quantidade nas frutas [1].
“A absorção da frutose aumenta quando ela é ingerida sob a forma de sacarose ou quando misturada com a glicose. A frutose é primariamente metabolizada no fígado, apesar de o intestino e os rins possuírem enzimas necessárias para o seu catabolismo. Sua rápida entrada no hepatócito é mediada também pela GLUT 2, não havendo gasto de energia ou necessidade do estímulo pela insulina. Estudos em animais e em seres humanos demostraram aumento nos triglicerídios após a ingestão de dietas contendo frutose quando comparadas às dietas com carboidratos mais complexos e outros açúcares. Há aumento da síntese de gordura em detrimento da gliconeogênese, e esse aumento ocorre pela maior síntese hepática de glicerol e de ácidos graxos, 1,4 a 18,9 vezes, quando comparamos com a glicose. O aumento da atividade das enzimas lipogênicas no fígado resulta em maior síntese de lipídios, e, como conseqüência, níveis mais elevados de lipídios totais na circulação e de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL)” [2].
Sobre o parágrafo acima é importante fazer importantes observações para que se entenda que boa parte dos malefícios à saúde associados à frutose não podem ser dissociados de dietas ricas em carboidratos, uma vez que o metabolismo da frutose é controlado em parte por glicose, e observar também que boa parte da frutose na dieta ocidental está associada ao consumo de sacarose e xarope de milho, contido nos alimentos (doces, refrigerantes). As vias de metabolismo da glicose e frutose (ambas com hexoses com 6 átomos de carbonos) convergem ao nível das triose-fosfato (3 carbonos). A diferença importante no processamento dos dois açúcares (glicose e frutose) encontra-se nas etapas iniciais do metabolismo, a maior afinidade da enzima frutocinase em comparação com a glicocinase, ou seja, a regulação é ao nível de controle do substrato, que afetam a população das triose-fosfato (DHAP e gliceraldeído) [3].
Para entrar nas vias do metabolismo intermediário a frutose deve ser fosforilada, e isso ocorre principalmente no fígado pela enzima frutocinase, que converte frutose em frutose-1-fosfato. Na sequência a frutose-1-fosfato (6 carbonos) é clivada (dividida) pela enzima aldolase B, produzindo as trioses fosfato (3 carbonos cada): DHAP (di-hidroxiacetona-fosfato) e gliceraldeído. Importante dizer que a glicose também converge para essa mesma via, mas o metabolismo da frutose é mais rápido que o da glicose, porque as trioses formadas (gliceraldeído e DHAP) à partir de da frutose-1-fosfato desviam da reação da glicólise regulada pela enzima PFK-1 (fosfofrutocinase-1) [1].
Através dessas vias das triose fosfato a frutose e a glicose podem ser convertidas em glicose, glicogênio ou sintetizarem triglicerídeos. Agora é preciso deixar claro que o destino desses intermediários (DHAP e gliceraldeído) deve ser determinado pelo estado energético e nutricional do organismo [4], então dizer que ingerir frutose simplesmente aumente a síntese de lipídeos pelo fígado é algo que não faz nenhum sentido em uma dieta hipocalórica e/ou pobre em carboidratos. Em particular, o efeito da adição de frutose vs glicose a uma dieta cuja composição já é elevada em carboidratos é sensivelmente diferente daquele em que existe poucos carboidratos no total de calorias. Efeitos específicos de frutose provavelmente representam efeitos cinéticos – produção mais rápida de produtos intermediários a partir de frutose – mas estes podem também depender das condições individuais [3], relacionados a idade ou genética (mulheres pós-menopausa, homens hiperinsulinêmicos e diabéticos tipo 2).
Outro ponto importante na regulação do metabolismo da glicose e da frutose é o papel da insulina, já que esse hormônio tem importante papel na no aumento da expressão de enzimas lipogênicas e armazenamento de gordura. Em uma dieta pobre em carboidratos baixos níveis de insulina aumentam a lipólise (quebra de triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol) e oxidação de gorduras, e também aumentam a gliconeogênese (formação de glicose à partir de compostos não carboidratos). Hipertrigliceridemia induzida por carboidratos e seu outro lado da moeda, redução dos triglicerídeos pela restrição de carboidratos na dieta, são fenômenos bem estabelecidos. O efeito é geralmente atribuído ao aumento do fluxo de insulina, que inibe a lipólise e a redução em glicerol-3-fosfato para fornecer substrato para a síntese [3]. Os efeitos de se comparar frutose e glicose nos níveis de triglicerídeos fazem sentido, desde que isso seja no contexto de uma dieta rica em carboidratos, já que a velocidade e regulação de ambas as vias são diferenciadas apesar de convergirem em um mesmo ponto, as trioses fosfato DHAP e gliceraldeído.
Esse artigo não trata de defender o consumo de alimentos ricos em frutose, mas sim contextualizar os reais efeitos da frutose no contexto da dieta. Isso é importante para diferenciar o uso de alimentos que contém frutose, como frutas (que por sinal possuem pouca frutose), mel, açúcar, em uma dieta high carb ou low carb. Os problemas relacionados ao grande consumo de frutose não podem ser dissociados do consumo de carboidratos, e demonizar o consumo de frutose por si só é uma grande bobagem. No contexto de atletas, pessoas mais sensíveis à insulina, e/ou também em uma dieta hipocalórica, low carb, o consumo de frutose, mesmo acima de 50-100g por dia, dificilmente trará algum malefício à saúde do indivíduo, muito menos ganho de gordura [5]. Você não pode dizer que vamos olhar para o efeito de frutose, mas não o efeito de carboidratos. Não faz sentido [3].
abraços, Dudu Haluch
REFERÊNCIAS:
[1] Bioquímica Ilustrada. Harvey & Ferrier, 5ª edição.
[2] Frutose em humanos: efeitos metabólicos, utilização clínica e erros inatos associados
Rodrigo Crespo Barreiros; Grasiela Bossolan; Cleide Enoir Petean Trindade
[3] Fructose in perspective
Richard D Feinman and Eugene J Fine
[4] Bases da Bioquímica e Tópicos em Biofísica. Sanches, Nardy e Stella.
[5] CARBOIDRATOS na DIETA: frutose, IG e sensibilidade à insulina (DUDU)