Explicando cientificamente as diferenças.
Para entender a diferença básica entre a escolha de esteroides para bulk e cutting é preciso uma análise mais profunda dos efeitos dessas drogas no tecido adiposo e no músculo esquelético, principalmente a nível de receptores de andrógenos e estrógenos.
Esteroides sexuais (androgênios, estrogênios, progesterona) possuem atividade direta no tecido adiposo (gordura) através de seus receptores, e variações desses hormônios em homens e mulheres podem levar ao ganho ou perda de gordura, principalmente abdominal. Muitos esteroides androgênicos são conhecidos no fisiculturismo pelo seu poder para aumentar queima de gordura, tais como oxandrolona [1], trembolona, primobolan, stanozolol, masteron, testosterona.
Outros esteroides não são tão conhecidos por aumentar perda de gordura, possivelmente porque também são conhecidos por elevar níveis de estrogênio, diretamente por aromatização (nadrolona, dianabol), ou indiretamente por potencializar efeitos estrogênicos (hemogenin). Ainda assim, esses esteroides podem levar a perda de gordura indiretamente, pelo aumento do metabolismo basal, resultado do efeito dos esteroides androgênicos sobre o anabolismo proteico, aumentando a quantidade de proteínas- especialmente enzimas – e, assim, aumentando a atividade de todas as células [2]. De qualquer forma esse efeito de aumento da taxa metabólica sobre a perda de gordura desses esteroides será atenuado por um aumento no saldo calórico (já que são usados preferencialmente em bulk) e também pelo aumento dos níveis de estradiol (o estrogênio de maior potência biológica).
“Hormônios esteroides sexuais estão envolvidos no metabolismo, acumulação e distribuição do tecidos adiposo. Sabe-se agora que o receptor de estrogênio, receptor de progesterona e receptor de andrógeno existem no tecido adiposo, assim suas ações poderiam ser diretas. Hormônios esteroides sexuais desempenham a sua função no tecido adiposo por mecanismos genômicos (atividade no núcleo da célula) e não genômicos (no citoplasma). No mecanismo genômico, o esteroide se liga ao seu receptor e o complexo esteroide-receptor regula a transcrição de determinados genes. A leptina e a lipoproteína lipase são duas proteínas-chave no tecido adiposo que são reguladas por controle transcricional com hormônios esteroides sexuais [3]”.
Homens mais velhos e/ou obesos apresentam reduções nos níveis de testosterona (T), e maiores níveis de estradiol (E2). Essa redução na relação T/E2 potencializa o ganho de gordura (principalmente abdominal), além de possível perda de massa magra com a idade. Os níveis de estradiol são altamente significativamente positivamente relacionados com a massa de gordura corporal e, mais especificamente, a gordura abdominal subcutânea, mas não a gordura visceral (omental). De fato, a atividade da aromatase em gordura visceral é apenas um décimo da atividade em gordura glútea [4]. Não só a redução da relação T/E2, mas o próprio aumento do estradiol pode interferir negativamente na queima de gordura, principalmente em indivíduos com maior percentual de gordura, mais sensíveis ao estrogênio e mais resistentes à insulina [5]. Isso acontece pela maior conversão desses hormônios em estrogênio no tecido adiposo, e pela competição nos receptores entre estrogênio e androgênio.
A atividade da aromatase P450 no tecido adiposo é importante para a produção de estrogênios… Os andrógenos e estrógenos ativos produzidos localmente nos tecidos periféricos, especialmente o tecido adiposo, podem apresentar uma ação parácrina (local), interagindo com os correspondentes receptores nas mesmas ou células próximas onde ocorreu a sua síntese antes da sua liberação para o ambiente extracelular como tais ou metabólitos inativos [6].
Um estudo mostrou que o tratamento com estradiol em culturas de células humanas mamárias cancerosas levou a uma infrarregulação (down-regulation) dos receptores de andrógenos [7]. Isso levaria consequentemente a uma diminuição da atividade lipolítica no tecido adiposo dos esteroides que aumentam e/ou potencializam os efeitos do estrogênio, como nandrolona, dianabol e hemogenin. Por outro lado, a redução dos níveis de estradiol pode potencializar a ação dos androgênios, permitindo os níveis do receptor de andrógeno subir, aumentando o efeito da lipolítico dos esteroides no tecido adiposo. Importante lembrar também que esteroides como testosterona e boldenona também sofrem aromatização, mas são usadas em ciclos de cutting/contest, a boldenona por sofrer fraca aromatização, e a testosterona por ter forte efeito anabólico e bom efeito na queima de gordura [8], além de outras razões, como aumentar libido e disposição.
Um estudo com o uso de Dihidrotestosterona (DHT) no cancro de mama em ratos mostrou que DHT compete com o estradiol para a ligação ao receptor de estrogênio citosólico (localizado no citoplasma da célula) da mama do rato. Assim, o efeito anti-estrogênico de androgênios no cancro da mama do rato pode ser o resultado de efeitos de dihidrotestosterona no receptor de estrogênio. Se assim for, DHT realiza uma de suas principais ações independentes do receptor de andrógeno [9]. Isso explica porque esteroides que não sofrem aromatização podem ser poderosos durante uma dieta visando perda de gordura (cutting/contest). Importante dizer que esteroides como Masteron, um derivado do DHT, mostrou eficiência em estudos sobre o câncer de mama [10]. Primobolan, outro derivado do DHT, é uma droga semelhante ao masteron com boas propriedades anti-estrogênicas e bom poder termogênico [11]. Além dessas duas drogas, outros derivados do DHT como stanozolol, oxandrolona são conhecidas como boas drogas para serem usadas em ciclos que visam a perda de gordura. Lembrando que ser derivado do DHT não é garantia de bom poder de queima de gordura para um esteroide. Hemogenin, por exemplo, é um derivado do DHT. Trembolona é outro esteroide que não é derivado do DHT (é 19-nor), mas é conhecida entre os fisiculturistas como o melhor esteroide androgênico para queimar gordura, possivelmente por ser o esteroide mais androgênico e com maior afinidade aos receptores de andrógenos, e também não sofrer aromatização.
Como vimos, a escolha de diferentes esteroides em dietas visando ganho de volume muscular (bulk) e perda de gordura (cutting) depende da atividade dessas drogas no tecido adiposo e também a nível celular, através da competição entre androgênios e estrogênios pelos receptores uns dos outros. Importante lembrar também que os efeitos dos esteroides podem variar muito de pessoa para pessoa, devido à respostas hormonais e metabólicas diferenciadas [5].
abraços, dudu haluch
#teoriaS2prática
REFERÊNCIAS:
[1] Oral anabolic steroid treatment, but not parenteral androgen treatment, decreases abdominal fat in obese, older men.
Lovejoy JC1, Bray GA, Greeson CS, Klemperer M, Morris J, Partington C, Tulley R.
Int J Obes Relat Metab Disord. 1995 Sep;19(9):614-24.
[2] ESTEROIDES e TECIDO ADIPOSO (DUDU)
Effect of testosterone on metabolic rate and body composition in normal men and men with muscular dystrophy. Welle S et al. J Clin Endocrinol Metab. 1992 Feb;74(2):332-5.
[3] Direct effects of sex steroid hormones on adipose tissues and obesity.
Mayes JS, Watson GH. Obes Rev. 2004 Nov;5(4):197-216.
[4] Estradiol in elderly men.
Vermeulen A1, Kaufman JM, Goemaere S, van Pottelberg I.
Aging Male. 2002 Jun;5(2):98-102.
[5] ESTEROIDES, DIETA E METABOLISMO (DUDU)
[6] Tecido Adiposo como Glândula Endócrina
[7] Estrogen down-regulation of androgen receptors in cultured human mammary cancer cells (MCF-7).
Stover EP, Krishnan AV, Feldman D.
[8] Effect of testosterone on abdominal adipose tissue in men.
Rebuffé-Scrive M1, Mårin P, Björntorp P. Int J Obes. 1991 Nov;15(11):791-5.
Dose-dependent effects of testosterone on regional adipose tissue distribution in healthy young men.
Woodhouse LJ1, Gupta N, Bhasin M, Singh AB, Ross R, Phillips J, Bhasin S.
J Clin Endocrinol Metab. 2004 Feb;89(2):718-26.
[9] Antiestrogenic action of dihydrotestosterone in mouse breast. Competition with estradiol for binding to the estrogen receptor.
Casey RW, Wilson JD.
Androgen on the estrogen receptor. I – Binding and in vivo nuclear translocation.
Rochefort H, Garcia M.
[10] A comparison of drostanolone propionate (Masteril) and nandrolone decanoate (Deca-durabolin) in the treatment of breast carcinoma.
Chowdhury MS, Banks AJ, Bond WH, Jones WG, Ward HW.
Hormonal therapy of breast cancer with special reference to Masteril therapy.
Bennett MB, Helman P, Palmer P.
[11] PRIMOBOLAN – PERFIL (DUDU)