Quem é o vilão?
O colesterol é um lipídio neutro, o esteroide característico dos tecidos animais e responsável por várias funções no organismo. O colesterol é necessário para construir e manter as membranas celulares; regula a fluidez da membrana em diversas faixas de temperatura. Em tecidos especializados é precursor dos ácidos biliares (que atuam na digestão das gorduras), dos hormônios esteroides (testosterona, estrogênio, cortisol etc) e da vitamina D [1].
Em condições normais, a quantidade total de colesterol num organismo adulto se mantém relativamente constante, pois a parcela que se converte em hormônios ou sais biliares acaba sendo reposta pela dieta ou é sintetizada pelo organismo.
A síntese endógena de colesterol é de ~1,5-2 g/dia e ocorre principalmente no fígado, mas também pode ocorrer em outros órgãos (intestino,pele, gônadas, adrenal). A produção endógena de colesterol depende da quantidade ingerida, quanto maior a ingestão, menor a síntese, e vice-versa [2].
No entanto, há uma vasta gama de diferenças em como as pessoas reagem ao colesterol dietético por si só. Há tanto hipo e hiper-responsivos, o que significa que algumas pessoas são sensíveis (em termos de níveis de colesterol total) para a ingestão de colesterol dietético [3]. Mas certamente não todos. Segundo REISER (1989), cerca de 75% da população de homens de meia-idade não respondem à dieta de colesterol, ou seja, não apresentam hipercolesterolemia familiar. Eles têm mecanismos homeostáticos para resistir ou adaptar-se aos fatores dietéticos. Conseqüentemente, apenas 25% da população necessita preocupar-se com o nível de colesterol e deve estabelecer uma meta de alimentação hipocolesterolêmica [4].
O maior problema na ingestão de colesterol no sangue tem a ver com a ingestão de gordura saturada. Os ácidos graxos saturados aumentam e os ácidos graxos poliinsaturados (ômega 3 e ômega 6) diminuem a concentração de colesterol no plasma, sendo que o ácido graxo monoinsaturado (ácido oléico) e o ácido esteárico saturado são neutros.
Em 2003 um relatório de consulta de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) concluiu que “a ingestão de ácidos graxos saturados está diretamente relacionada ao risco cardiovascular. A meta tradicional é restringir a ingestão de ácidos graxos saturados e menos de 10%, do consumo diário de energia e menos de 7% para os grupos de alto risco…” [5]
Será que isso se aplica em qualquer contexto de dieta?
Para começar é preciso dizer que biossíntese do colesterol ocorre no citosol da célula à partir do acetil-Coa (o intermediário comum do metabolismo dos carboidratos, proteínas e lipídios). Isso acontece em uma situação em que os níveis energéticos estão normais (razão ATP/ADP normal), e quando existe uma boa oferta de carboidratos na dieta. A insulina é o principal hormônio regulador da síntese de colesterol, pois ativa a enzima HMG-CoA redutase (enzima limitante para a biossíntese do colesterol), enquanto o glucagon e os glicocorticoides a inibem.Com a redução do saldo calórico e dos carboidratos a tendência é uma redução dos níveis de insulina e ATP, o que favorece a redução da síntese de colesterol e ácidos graxos e favorece a formação de corpos cetônicos (também formado à partir do acetil-CoA) [1, 2].
Estudos mostram justamente que existe uma correlação entre resistência à insulina e dislipidemias (níveis baixos de HDL e altos de LDL e triglicerídeos) [6]. Condições com elevadas concentrações de partículas LDL oxidadas, especialmente partículas LDL pequenas, estão associadas com a formação de ateromas (placas de gordura) nas paredes das artérias, uma condição conhecida como aterosclerose, que é a principal causa de doença coronariana cardíaca e outras formas de doença cardíaca. Em contraste, as partículas de HDL (especialmente HDL grandes) têm sido identificadas como um mecanismo pelo qual o colesterol e mediadores inflamatórios podem ser removidos do ateroma. As taxas aumentadas de HDL estão relacionadas a taxas menores de progressão e até mesmo regressão dos ateromas [7].
Alguns estudos parecem indicar que dieta cetogênica (30% de proteína, 8% de carboidratos e 61% de gordura) não tem um efeito deletério sobre o perfil de risco de DCV (doença cardiovascular) e pode melhorar os distúrbios lipídicos característicos de dislipidemia aterogênica [8].
Disso tudo podemos dizer que o impacto das gorduras saturadas na dieta depende da proporção de carboidratos, fatores genéticos, além da resistência à insulina. Em uma dieta low carb uma maior ingestão de gorduras saturadas não seria problema, principalmente com déficit calórico e prática de atividade física. O impacto negativo das gorduras saturadas no perfil lipídico está associado principalmente à quantidade de carboidratos ingerida na dieta, e claro que isso tende a piorar em uma situação com saldo calórico positivo, ganho de peso, e maior resistência à insulina. Isso também nos mostra que a alta ingestão de colesterol dietético visando o aumento da síntese de hormônios é inútil, pois o corpo tende a reduzir a produção endógena de acordo com a quantidade ingerida.
Veja que toda simplificação sobre o assunto culpando carboidratos e gorduras saturadas é estúpida, pois é tudo uma questão de se adequar as coisas de acordo com o contexto do indivíduo, seu perfil físico, metabólico (sensibilidade/resistência à insulina), sua resposta genética e objetivo. Um aumento de calorias e carboidratos visando ganho de peso e massa muscular deve controlar mais o consumo de gorduras saturadas (respeitando as recomendações dos órgãos oficiais), enquanto uma redução de calorias e carboidratos o uso de gorduras saturadas pode ser aumentado, principalmente em uma dieta muita baixa em carboidratos (cetogênica/metabólica), quando existe prática de atividade física e redução do peso. Claro que tudo isso deve levar em conta a genética do indivíduo, seu perfil físico e metabólico.
abraços, Dudu Haluch
REFERÊNCIAS:
[1] Bioquímica Ilustrada, Harvey & Ferrier, 5ª edição.
[2] Bases da Bioquímica e Tópicos da Biofísica, Sanches, Nardy & Stella.
[3] Lyle McDonald on Dietary Cholesterol and Fat and their Impact on Blood Cholesterol
[4] COLESTEROL E COMPOSIÇÃO DOS ÁCIDOS GRAXOS NAS DIETAS PARA HUMANOS E NA CARCAÇA SUÍNA
Maria do Carmo, Mohaupt Marques Ludke, Jorge López
[5] Saturated fat and cardiovascular disease controversy (Wikipedia)
[6] Insulin resistance and lipid metabolism.
Howard BV
[Disorders of lipid metabolism in insulin resistance].
[Article in German]
Müller-Wieland D1, Krone W.
[7] Colesterol- Wikipédia
[8] A Ketogenic Diet Favorably Affects Serum Biomarkers for Cardiovascular Disease in Normal-Weight Men1
Matthew J. Sharman, William J. Kraemer, Dawn M. Love, Neva G. Avery, Ana L. Gómez, Timothy P. Scheett, and Jeff S. Volek
A Low-Carbohydrate, Ketogenic Diet versus a Low-Fat Diet To Treat Obesity and Hyperlipidemia: A Randomized, Controlled Trial
William S. Yancy Jr., MD, MHS; Maren K. Olsen, PhD; John R. Guyton, MD; Ronna P. Bakst, RD; and Eric C. Westman, MD, MHS