Exercício aeróbico, periodização e adaptações metabólicas.
Volume de treinamento é sempre elevado durante uma preparação contest no fisiculturismo. Boa parte desse volume de treino se deve ao aumento do exercício aeróbico, e outra parte se deve ao aumento de volume se séries e repetições, com redução na intensidade (carga) do exercício.
Segundo Fleck, grandes volumes de treinamento são importantes quando o programa de treinamento tem como objetivo reduzir porcentagem de gordura corporal, aumentar massa magra e gerar hipertrofia muscular, como no caso do fisiculturismo [1]. Veja que isso não significa que essa seja a melhor estratégia para perda de gordura em um indivíduo novato, mas geralmente em atletas avançados. O uso de programas de treinamento intensos (HIIT) e de menor frequência semanal tem sido defendido atualmente como sendo mais eficientes para a perda de gordura (Gentil), mas no fisiculturismo esse tipo de estratégia acaba tendo eficácia limitada, devido a grande exigência de um percentual de gordura muito baixo (~5-7%) e às adaptações metabólicas (eficiência mitocondrial, termogênese adaptativa, aumento da fome) geradas durante o processo, devidas à grande perda de peso e ao déficit calórico elevado [2], e em partes pelo excesso do volume de treinamento. Essas adaptações impedem que um indivíduo/atleta com percentual de gordura elevado (~18-20%) tenha sucesso em atingir um condicionamento em curto espaço de tempo (~12 semanas), e na verdade tende a levar ao fracasso, pois é inviável uma grande perda de gordura com manutenção da massa muscular, mesmo com abuso de hormônios e termogênicos, já que as adaptações metabólicas são potencializadas em um processo muito agressivo de perda de peso. São essas adaptações agressivas que tornam a manutenção do condicionamento e peso inviável para a maioria dos atletas, em geral levando a um grande ganho de peso e gordura no período pós competição. Tudo isso é agravado quando o atleta suspende o uso de hormônios e termogênicos e faz uso de métodos agressivos de desidratação. Uma forma de reduzir o efeito dessas adaptações é o atleta se manter bem condicionado em OFF Season (8-12% de BF) e evitar o elevado volume de treinamento e abuso de termogênicos.
Mesmo na fase de OFF Season fisiculturistas já costumam trabalhar com altas frequências de treinamento (4 a 6 sessões por semana). Somado a isso, na fase pre-contest muitos atletas chegam a realizar atividades aeróbicas por mais de uma hora por dia, e tudo isso em grande restrição calórica. O elevado condicionamento desses atletas, em combinação com o uso de esteroides anabolizantes e uma possível predisposição genética, lhes permite executar tais programas de frequências muito altas com sucesso [3].
Fisiculturistas também costumam usar métodos de periodização, principalmente a periodização reversa, onde ao contrário da periodização linear clássica (usada por atletas de força/potência), começa com cargas elevadas (força) e menor volume de treinamento durante o OFF Season, progredindo para cargas menores com maior volume de treinamento (hipertrofia-resistência) durante a fase de pre-contest, mantendo a intensidade pela variação nos estímulos e métodos de treinamento. Essa mudança de métodos tensionais para metabólicos não só visa maior gasto calórico, mas também uma adaptação às restrições dietéticas da fase de contest (Paulo Muzy, DeSalles). A fase de pre-contest costuma durar média de 12 semanas, enquanto o OFF season tem um período muito maior, e pode incluir além da fase de ganho de volume muscular, uma fase de descanso, ou fase de recuperação. O modelo de periodização adotado depende do calendário de competições. As fases de OFF Season e pre-contest constituem dois mesociclos (2-6 meses cada mesociclo), e juntas constituem um macrociclo [4].
Como foi dito inicialmente, grande parte do aumento no volume de treinamento durante a fase pre-contest se deve ao aumento do volume de treinamento aeróbico. De fato, o treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) tem se mostrado uma estratégia mais eficaz para a perda de gordura [5], mas no contexto da rotina de treinamento de um fisiculturista esse método tem validade limitada na maioria dos casos, e o exercício aeróbico pode oferecer uma significativa contribuição para a perda de gordura, principalmente em uma fase mais longa de preparação [6].
O debate HIIT x exercício aeróbico faz pouco ou nenhum sentido para atletas treinados em fisiculturismo ou alguém que tenha um objetivo semelhante. Simplesmente porque essas pessoas já treinam hipertrofia de 3 a 6x na semana (que já é uma forma de HIIT), em geral em alta intensidade. Adicionar uma rotina HIIT visando aumentar queima de gordura, nesse contexto, seria bem complicado para um atleta ou uma pessoa que está em uma dieta restritiva em carboidratos ou treinando hipertrofia com grande volume e intensidade de treino. Nesse contexto o exercício aeróbico contínuo é quase sempre a melhor opção (de preferência em intensidades da ordem de 65% da VO2máx ou 75% da FCmáx), pois permite um aumento no volume de treinamento e adaptações diferenciadas, sem grandes riscos de lesão e queda acentuada da imunidade, e o uso de HIIT seria limitante para esses atletas, pois o menor volume de treinamento semanal limitaria a perda de gordura por essa atividade adicional. Agora, alguns atletas, que possuem uma rotina menos frequente de treinamento de hipertrofia, podem ter benefícios adicionais com o uso do HIIT, e mesmo misturar diferentes estratégias de treinamento [7].
Independente dos métodos de treinamento utilizados para perda de gordura, um grande equívoco da maior parte dos treinadores e atletas é manter a restrição calórica e de carboidratos muito acentuada em conjunto com o excesso de volume de treinamento, tentando compensar isso com abuso de estimulantes e hormônios. Além de potencializar as adaptações metabólicas (redução da taxa metabólica, aumento da fome), esse tipo de estratégia pode trazer maiores riscos à saúde do atleta. É importante entender que uma forma de evitar a agressividade dessas adaptações é aumentar o consumo de carboidratos em uma fase mais avançada de dieta. Nesse contexto é muito comum estratégias que ciclam carboidratos no curto e longo prazo (dieta metabólica, jejum intermitente, cycling carb). O objetivo proposto de realimentação periódica é aumentar temporariamente leptina circulante e estimular a taxa metabólica. Há evidências indicando que a leptina é agudamente sensível a curto prazo superalimentação, está altamente correlacionada com a ingestão de carboidratos [2, 8].
Dessa forma, por mais que o aumento do volume de treinamento e do déficit calórico sejam inevitáveis durante a fase de pre-contest, ambas as estratégias devem ser pensadas em conjunto, tanto no sentido de manter a eficiência do processo de perda de gordura com o mínimo de perda de massa magra (atenuando os efeitos das adaptações metabólicas), como também a integridade física e mental do atleta. De fato, o aumento do estresse emocional durante a fase de preparação pode ter um grande impacto negativo no resultado final da preparação, e um planejamento inteligente e de longo prazo deve sempre pensar em atenuar esse fator emocional, causado em grande parte pelo excesso de treinamento e grande restrição de calorias e alimentos, muitas vezes desnecessários.
abraços, Dudu Haluch
REFERÊNCIAS:
[1] Força, Princípios Metodológicos para o Treinamento; Steven Fleck e Roberto Simão; editora Phorte.
[2] Metabolic adaptation to weight loss: implications for the athlete
Eric T Trexler, Abbie E Smith-Ryan1* and Layne E Norton.
[3] Fundamentos do Treinamento de Força Muscular; Fleck & Kraemer; 3ª edição.
[4] Força, intensidade e periodização para fisiculturistas (DUDU)
Ciência do Treinamento dos Exercícios Resistidos, Jefferson da Silva Novaes.
[5] Impact of exercise intensity on body fatness and skeletal muscle metabolism.
Tremblay A1, Simoneau JA, Bouchard C.
Fisiologia do exercício intermitente de alta intensidade; Emerson Frachini
[6] Steady State and Interval Training: Part 1 e 2; Lyle McDonald.
Recommendations for natural bodybuilding contest preparation: resistance and cardiovascular training.
Helms ER, Fitschen PJ, Aragon AA, Cronin J, Schoenfeld BJ.
[7] HIIT x exercício aeróbico no Fisiculturismo (DUDU)
[8] Dirlewanger M, di Vetta V, Guenat E, Battilana P, Seematter G, Schneiter P, Jequier E, Tappy L: Effects of short-term carbohydrate or fat overfeeding on energy expenditure and plasma leptin concentrations in healthy female subjects.
Jenkins AB, Markovic TP, Fleury A, Campbell LV: Carbohydrate intake and short-term regulation of leptin in humans.