Escrito por por JOSÉ LOURENSINI
Contribuições: Dudu Haluch e Paulo Muzy.
Prefácio:
“Pedi para o Lourensini escrever esse texto a um tempo atrás, já havia pesquisado sobre o assunto, mas não me sentia preparado e disposto para escrever, e sabia que alguém interessado e competente como ele poderia fazer isso. Depois de um tempo discutimos o assunto num grupo do whatssap, onde participa o grande Paulo Muzy (e outros caras muito inteligentes selecionados pelo grande senso crítico e base científica séria), que além de participar ativamente da discussão deu algumas contribuições para esse texto. Espero que gostem e antes de tomar qualquer coisa como verdade procurem a fundamentação científica do que está sendo dito. Não precisam acreditar em nenhum de nós, que esse texto seja apenas uma inspiração para os curiosos sobre esse assunto” [Dudu Haluch]
Eu achei que tinha. “Putz… não to afim de levantar da cama. Não quero ir pra faculdade hoje. Aula chata pra porra” e, à noite, era “só mais uma missão”, e ficava até as 3h jogando GTA. Demorava pra acordar, sentia cansaço durante o dia, só vivia a base de café e minha ansiedade eu matava no doce. Bem, com uns vídeos que vi, tudo fazia sentido. Fadiga adrenal (F.A.) é uma resposta óbvia.
Só que eu desenvolvi um problema com o óbvio. O corpo humano é óbvio? Saúde é óbvia? Doença é óbvia? Comportamento é óbvio? Você abre uns links, lê uma coisa outra e outra, e começa a duvidar. Tudo bem, você pode não acreditar na Wikipedia (1). Então você abre as referências e aí a coisa começa.
Primeiro degrau de dúvida.
Ué, não tem site próprio?
É. Tem. Primeiro, clica aqui: http://www.adrenalfatigue.org/
Segundo, responda a lista de 9 perguntas.
Terceiro, constate que você tem, e compre os produtos.
Segundo grau de dúvida.
Fadiga ou Insuficiência?
Insuficiêcia adrenal é uma condição médica séria. Envolve sintomas de desidratação, confusão, fraqueza, cansaço, dor estomacal, vômito, diarreia, baixa pressão arterial e perda de peso, onde há exame de sangue pra isso e trata-se com reposição hormonal (3, 4, 9). Doença de Addison é a insuficiência adrenal primária, e usualmente é autoimune. Já a Secundária é a mais ”próxima” com a F.A., pois há falta de estimulação hormonal às adrenais por redução de ACTH (e portanto, de cortisol), só que F.A. não possui exames suportados por booooons estudos científicos (3, 4, 9), mesmo que hajam sintomas parecidos, que podem ser decorrentes de maus habitos de sono, dieta, stress no trabalho, apnéia do sono e depressão, que podem zuar teu ‘tesão de vida' sem envolver sua adrenal (2).
Terceiro grau de dúvida.
Ué. Não tem exame? Não é só medir o cortisol?
Dentre os links acima, encontrei um para um laboratório (link 5 e 6) que oferece exemplo de exame de cortisol. Ocorre que, aí, o cortisol matinal não é confiável para o diagnóstico, que deve ser feito com cortisol do final da tarde e noite. Bem, isso nos leva ao…
Quarto grau de dúvida.
Vamos abrir uns livros…
Bem, se é uma doença tão comum, um mal do mundo moderno, então deve haver sobre na última edição do William's Endocrinology. Saporra não é a bíblia de endocrinologia? Pois bem, consegui a 12ªed (2011) e… nada. Ok Ok… já se foram 4 anos. Vou procurar algo mais novo: Evidence-Based Endocrinology, de 2012. Not. Not yet. Crash Course Endocrynology, de 2012 também? Nem. Isso me levou ao…
Quinto grau de dúvida.
O que diz no Uptodate? Não há nada mais atualizado que o Uptodate.
Pesquisei por “fatigue” (7) e, veja só, nada de ”adrenal fatigue”. Como eu tenho baixada a versão full, li todo o material sobre Síndrome da Fadiga Crônica (8), que por ser uma síndrome complexa e de abordagem multidisciplinar, não tem nada no diagnóstico que seja tão óbvio como F.A., mesmo que a gama de sintomas seja semelhantes.
Sexto grau de dúvida.
Na hora lembrei de uma coisa: Síndrome de Cushing, que ocorre justamente por uma hiperatividade da suprarrenal, que pode ser por um adenoma pituitário (mais comum, 70% das cusas em adultos e 90% em crianças); tumor na própria adrenal, que aumenta a secreção somando essa com a da própria glândula; e tumores em outros órgãos que aumentam produção de ACTH (que por consequência aumenta o cortisol) (8)
Enfim, SE a adrenal é uma glândula que cansa, então ‘a cura' da Síndrome de Cushing não seria a própria fadiga adrenal?
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Se você não quer acreditar em mim, tudo bem. Quem é o José, mesmo? Mas, posso colocar aqui as palavras que troquei com o Muzy sobre:
“Então, galera, o que existe na verdade são os transtornos de eixo 2, que é, pancreas, adrenal e tireoide. Quando você tem, por exemplo, uma alteração da tireoide, e se for uma coisa compensada, você terá um aumento de cortisol junto. Muito cara tá fazendo ‘diagnóstico de fadiga adrenal' quando, na realidade, é hipotireoidismo, ou um negócio chamado ‘eutireoidism sick syndrome', que é um negócio difícil de tratar, pois vc precisa tratar resistência periférica à T3. Pra você falar em Insuficiência adrenal, então você precisa ter alguns sintomas. Não dá pra colocar só como fadiga.” (11) -Paulo Muzy.
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Contribuição de Dudu Haluch.
“É preciso deixar claro que apesar de ser considerada uma doença ‘fake', os sintomas são reais. Não há fatos científicos para apoiar a teoria de que o estresse mental, emocional ou físico a longo prazo esgota as glândulas supra-renais (se fosse o caso, a síndrome de cushing evoluiria para um quadro de fadiga adrenal) e causa muitos sintomas comuns. O termo ‘fadiga adrenal' foi cunhado pelo naturopata e quiroprático James Wilson, sem nenhuma evidência científica, apenas se baseando em observações gerais, em sintomas variados e inespecíficos (cansaço sem motivo, dificuldade para se levantar da cama, baixa libido, necessidade de tomar café e/ou doces para se manter disposto, sentindo-se esgotado ou estressado etc).
Esses mesmos sintomas podem ser causados por verdadeiras condições médicas, como a apnéia do sono, insuficiência adrenal, ou depressão (4).
Ao contrário de fadiga adrenal, estresse adrenal é muito real. Uma enorme quantidade de estudos têm mostrado que a sua saúde depende da integridade dos seus ritmos adrenais, e a restauração desses ritmos aos seus padrões adequados pode ser a cura do problema. É importante perceber que o estresse adrenal não é o mesmo que a fadiga, a fim de entender o que ajuda as suas supra-renais funcionarem melhor. Se fosse o caso, bastaria suplementar cortisol o ervas que aumentam o cortisol para resolver o problema, e no caso do estresse adrenal não há nenhuma afirmação de que as glândulas supra-renais são incapazes de fazer cortisol suficiente (10). Aceitar um diagnóstico de doença falso de um profissional não qualificado é indiscutivelmente pior. Os pacientes não recebem uma avaliação baseada na ciência de seus sintomas (o diagnóstico é baseado em um questionário simplista e exames de saliva duvidosos), e a eles podem ser vendidos tratamentos desnecessários que são provavelmente ineficazes e potencialmente perigosos.
Muitas pessoas do meio do fitness que hoje acreditam estar com fadiga adrenal, por apresentarem muitos dos sintomas citados acima, na verdade estão apresentando esses sintomas muitas vezes pelo estilo de dieta adotado (muito restritiva por longos períodos), rotina de exercícios extenuante (grande volume de treino diário) e abuso de hormônios e outras drogas, como termogênicos e inibidores do apetite. Variações hormonais, principalmente em períodos em que se interrompe o uso (pós-ciclo), ou mesmo períodos em que se varia muito as doses hormonais (blast & cruise) são susceptíveis a causar grandes alterações no sistema nervoso central, principalmente nos neurotransmissores serotonina e dopamina, associados ao humor, apetite, sono etc. Como foi dito, os sintomas são reais e a causa pode ser diagnosticada se baseando em evidências científicas e uma anamnese cuidadosa do histórico do paciente, mas não se trata de fadiga adrenal, pois ela não existe, é uma doença ‘fake', cujo diagnóstico não passa de especulação. Não confunda isso com o fato de não existir um problema, o que está errado é o nome e a forma que estão dando ao problema, e isso pode ser desastroso para o paciente, pois não será tratado da forma que deveria buscando a verdadeira etiologia do mesmo.
Ao invés disso muitos pseudo-profissionais estão vendendo supostos tratamentos para essa doença fake. Pode ser frustrante não ter um diagnóstico para seus problemas de saúde por um médico, mas ainda é melhor do que ser tratado por uma condição fictícia.” -Dudu Haluch
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Se você jogar um punhado de pedras pra cima, é provável que alguma delas caia em sua cabeça. Diagnósticos assim costumam ocorrer pela Via do “pensa comigo”. “Tipo, ‘pensa comigo', se o cara tá cansado e o cortisol tá baixo, é porque a glândula que o produz tá cansada, não é lógico?”. Não. Não é. Lógica aristotélica não funciona quando você tem milhares de mecanismos desconhecidos e uma interação infinita de fatores reguladores e contrarreguladores. Você precisa montar um estudo, testar e ver o que acontece.
É preciso ter cuidado até com diagnóstico de virose. Coisas do tipo “isso + aquilo = aquilo lá”. O que pode ser mais provável que “Cansaço + insônia = Fadiga Adrenal?” Se você tem dúvidas, ótimo. Esse é um bom sinal, pois um ignorante com iniciativa é um perigo. Sem responsabilidade, diagnostica tudo e todos, fazendo tudo parecer simples.
Às vezes eu também não quero acordar pra vida real. A faculdade continua um porre. PS4 só no final de semana. Pelo menos a testo tá ‘over 9000' e o sono voltou a ser prioridade. Para que eu tivesse ‘fadiga da adrenal', primeiro era necessário que ela existisse. Até agora, nada.
FONTES:
(1) goo.gl/bvJrn3. Wikipedia
(2) goo.gl/IxzJ7k. WebMD
(3) goo.gl/Yz7q9p. Hormone Health Network
(4) goo.gl/Y4FPVP. Science-based Medicine
(5) goo.gl/iRLfJ4. Rocky Mountain Analytical.
(6) goo.gl/C7Zxp8. Exame laboratorial de exemplo.
(7) goo.gl/vkOOy3. Uptodate “Chronic Fatigue Syndrome”
(8) goo.gl/kzoBq2. What is Cushing's Syndrome?
(9) goo.gl/r4Jqb4. Examine.com ‘What is adrenal fatigue?”
(10) goo.gl/dVX1sM
(11) Diálogos com Paulo Muzy (whatssap)
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